IMPACTOS
DA FORMAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA
INTERCULTURAL
Maria Josefa de Menezes Almeida
Doutora em Ciências da Educação pela
Universidad Autónoma de Asunción/Py
Coordenadora do Grupo de Pesquisa
CNPq/Seppeja/Codap/UFS
Resumen
Este
trabajo presenta la analisis cualitativa de los elementos
discursivos recoletados en la investigación: “Pedagogía intercultural en el
contexto de la formación de profesores: aportes para la educación de jóvenes y
adultos en Sergipe”. Su estudio enfoca la problemática de la ausencia de formación de
profesores para la Educación de Jóvenes y Adultos en el Brasil, presentandose
como respuesta para el contexto a través de la propuesta inedicta del Curso:
“Pedagogía Intercultural con énfasis en la identidad cultural”- intervención
pedagógica de 80h de aprendizaje colaborativa. Concluyendose a indicar positiva
influencia sobre la práctica educativa de sus participantes y presentar su aporte
teórico producido a favorecer futuros estúdios sobre el tema.
Abstract
This paper presents a qualitative analysis of the discursive elements
collected in research: intercultural pedagogy in the context of teacher
education: contributions to youth and adults education in Sergipe. The study
focuses on the problem of lack of teacher training specific to the education of
youth and adults in Brazil, presenting itself as a response for this need by
the unprecedented proposing of the course intercultural
pedagogy with emphasis on cultural identity - educational intervention of 80
hours of activities of collaborative learning, concluding to indicate a
positive influence on the educational practice of its participants and to
present the theoretical produced as a reference for future studies on the
subject.
Palavras-chave: Formação
Docente; Pedagogia Intercultural; Educação de Jovens e Adultos.
Introdução
Este artigo resulta da análise
qualitativa dos elementos discursivos da investigação: “Pedagogia intercultural
no contexto da formação de professores: aportes para a educação de jovens e
adultos em Sergipe”, tese baseada na problemática da ausência de formação
docente para a Educação de Jovens e Adultos (doravante EJA) no Brasil. Sua realização
guia-se pelo objetivo de indicar os impactos da participação do professor
exercício no Curso: Pedagogia Intercultural com ênfase na identidade cultural
sobre a sua prática educativa subsequente. Ao tempo em que se articula para
atender à insistente reivindicação por formação docente específica para o
docente da EJA conforme (Cury, 2000; Machado, 2007; Soares, 2010), ainda deficitária
ou inexistente no país, tanto no nível da formação inicial quanto da formação
continuada a exemplo do que se evidencia na localidade onde se realiza esta
pesquisa de campo (Almeida, 2012a).
Assume-se, ao final
desta investigação, o compromisso de apresentar uma proposta para que se
efetive formação para o docente da EJA com o perfil curricular adotado nesta
intervenção pedagógica (Almeida, 2012a): planejada, estruturada e executada junto
a professores em exercício de uma cidade sergipana cuja proposta ancora-se no
paradigma preceituado para a formação docente pela Pedagogia da Autonomia
(Freire, 2010) e Pedagogia Intercultural (Aguado, 2003), em consonância com Canen
(2002) Candau (2005), Freuri (2003) e Moreira e Candau (2008) dentre outros.
Para tanto, elege-se a
competência intercultural (Aneas, 2003) como dimensão do aspecto intercultural
(Aguado, 2003) a se desenvolver a partir da ênfase na identidade segundo Hall,
2000; Silva, 2000 e Canclini, 2004; como ponto de partida para o processo
ensino-aprendizagem do professor da EJA, público ainda encarado no país sob a
égide de estigmas e prejuízos históricos conforme Galvão e Di Pierro (2007). Alternativa
para que o professor se conscientize sobre o papel de equidade social a se
promover pela ação educativa ou expressão de um direito negado a quem fora
excluído historicamente por diversas razões (Haddad, 2005; Soares, 2005 e 2010).
Seu interesse se
justifica pela possibilidade de contribuir com o aporte para a formação do
professor a fim de que seu exercício profissional seja condizente com a
especificidade desta modalidade educativa a aproximá-lo da concepção almejada
mundialmente pelos Relatórios das Conferências Internacionais para a Educação
de Adultos (UNESCO, 1997; 2010). Ação que representa, não só um direito humano
fundamental, mas também um compromisso social capaz de fomentar uma intervenção
sociopolítica na vida deste jovem e adulto que tardiamente buscou a escola.
Neste contexto, vários
questionamentos originam este estudo tais como: Quais os elementos de
identidade cultural dos projetos curriculares da EJA? Como ocorre a referência
cultural em determinado projeto curricular da EJA? A que processos de formação
docente têm acesso os professores da EJA? Que elementos curriculares são
indicadores de uma prática intercultural na EJA? Como se relaciona a formação
do docente de EJA com práticas inovadoras baseadas na competência intercultural?
Tais questões secundárias encontram-se contidas na
centralidade do problema, ausência de formação docente específica para EJA, especialmente
a considerar o fator intercultural que motivam a descoberta sobre: Que
impacto(s) pode exercer a participação num Curso de formação continuada sobre a
atuação docente com ênfase na competência intercultural?
A criação, aplicação e
validação desta proposta são analisadas a partir do método quaseexperimental
intragrupal pré e pós-teste (Almeida, 2012b) que resultam, como este texto, em
parte da tese apresentada e defendida para a obtenção do título de Doutor (a)
em Ciências da Educação na Universidade Autónoma de Assunção com o objetivo maior
de determinar a influência do Curso “Pedagogia Intercultural com ênfase na
identidade cultural” sobre a atuação docente a partir do alcance de objetivos
específicos como: a) Descrever a identidade cultural de projetos curriculares
para a EJA através da análise documental destes; b) Indicar os mecanismos promovidos
para a formação do docente da EJA em entrevista semiestruturada a coordenadores
da EJA; c) Identificar diferença significativa entre os níveis de competência
intercultural, manifestados pelo professor, antes e depois da participação no Curso:
“Pedagogia intercultural com ênfase na identidade cultural” d) Relacionar a
presença de aulas culturalmente compatíveis na EJA a partir da análise
documental de planejamentos didáticos e diários de classe dos professores após participação
nesta ação formativa.
Método
Deste
estudo descritivo que adotou o rigor científico do método quaseexperimental intragrupal
pré e pós-teste na sua parte central (Almeida, 2012b), tentando, de forma
também inovadora, adotar um perfil diferenciado para a pesquisa educacional
brasileira, destaca-se, neste artigo, a análise dos elementos textuais a partir
do paradigma qualitativo, utilizando o método da análise do discurso de categorias
desta natureza manifestadas em suas diferentes etapas: a) na fase inicial, em análise
documental dos projetos curriculares da EJA local e de entrevistas aplicadas a respectivos
gestores da EJA; b) na parte de intervenção pedagógica promovida através da aplicação
do Curso: “Pedagogia Intercultural com ênfase na identidade cultural” c) na
fase final, analisando a possibilidade de manifestação da competência
intercultural em diários de classe e planejamentos pedagógicos dos professores
participantes.
a)
Sujeitos do estudo
Do total de 34 professores lotados na rede pública municipal em salas da
EJA no ensino fundamental (1º ao 9º ano), foram recrutados, voluntariamente, 17
professores em exercício os quais constituíram a amostra intencional deste
estudo. Caracterizaram-se ainda por se situarem na faixa etária dos 20 a 40
anos, possuírem o nível superior de escolarização, além de atuarem em sala de
aulas da EJA por ocasião da participação nesta pesquisa.
b)
Intrumentos e Materiais
ü Fase inicial: a) pauta da análise de documentos curriculares da EJA; b) Entrevistas
com gestores da EJA (em nível estadual e local)
ü Fase interventiva: produções textuais elaboradas ao longo do curso, além do Planejamento Estratégico para o Desenvolvimento da Competência
Intercultural (PEDECI) apresentado em Mostra Intercultural.
ü Fase final: pauta da análise de planejamentos didáticos e diários de
classe.
c) Procedimentos
Em
agosto de 2009, iniciou-se o reconhecimento da realidade identitária do projeto
curricular para o ensino fundamental (1º ao 9º ano) da EJA local, através da
análise documental de documentos e entrevistas a gestores, determinando-se, ao
final desta etapa, a contextualização da referida investigação.
Posteriormente,
ao largo do ano de 2010, aplicou-se o Novo Programa de Formação Continuada
Docente através de atividades teórico-práticas, compartilhadas potencialmente
em grupo a partir de eixos-temáticos como: direitos humanos, aculturação,
formas de etnocentrismo (ações etnoconfessionais, etnolinguísticas, xenofobia,
xenofilia), estereótipos e preconceitos, bem como através de estratégias
metodológicas para a prática intercultural. Assim, durante as 80 horas de curso, de aprendizagem colaborativa e experimental, exercitaram-se
jogos interativos
e de simulação, construção de mapas conceituais, resolução de conflitos e exercícios
de habilidades comunicativas a manifestarem visões culturais.
No final de 2010, procedeu-se ao resgate dos
reflexos desta participação sobre a prática docente em planejamentos didáticos
e diários de classe dos professores informantes.
Resultados
a) Fase Inicial
Os projetos curriculares
destinados à orientação pedagógica para a condução do ensino fundamental da EJA
(EJAEF-1 e EJAEF-2) constituem-se em dois volumes, um dedicado à 1ª fase (1º ao
5º ano) e o outro à 2ª fase (6º ao 9º ano). Ambos datam do ano 2008, em revisão
aos textos anteriormente aprovados pelo Conselho Estadual de Educação em 2006 e
contém respectivamente, 48 e 100 páginas. Desta análise, destacaram-se como
categorias de análise as informações contidas neste primeiro quadro
demonstrativo:
Quadro No 01 – Projetos
Curriculares para EJA – Ensino Fundamental - Sergipe
Categoria investigada
|
Projeto 1 (EJA)
|
Projeto 2 (EJA)
|
Informação coletada
|
Informação coletada
|
Função
atribuída à EJA
|
Ensino supletivo (p. 09, 10 e 11)
|
Ensino Supletivo (p. 09,10 e 14)
|
Referência à diversidade cultural
|
Há alunos com diferenças (p. 23)
ETHOS ou alteridade (p. 46)
Diversidade
cultural (p. 48)
|
Trabalhar as diferenças (p. 24)
Comunidade
e identidade nacional no contexto internacional. (p. 42)
Dinâmica
da cultura, patrimônio cultural de grupos sociais, respeito à diversidade (p.
42)
Manifestações culturais (p. 84)
|
Atendimento
à diversidade
|
Nenhum
|
Nenhum
|
Referência
à cultura dos alunos
|
Nenhuma
|
Nenhuma
|
Referência à cultura local
|
Nenhuma
|
Nenhuma
|
Referência ao intercultural
|
Nenhuma
|
Nenhuma
|
Marcas de identidade sociocultural
|
A palavra “Sergipe” na capa do projeto
|
A palavra “Sergipe” na capa e na Apresentação do projeto.
|
Referência á formação docente
|
Prevista para “orientar, capacitar e/ou aperfeiçoar os envolvidos com
o Projeto. (p. 16)
|
Prevista para “orientar, capacitar e/ou reciclar os envolvidos com o
Projeto. (p.16)
|
Fonte: Elaboração
Própria a partir da Análise Documental - 2009
Dos discursos dos
gestores (estadual e municipal), sobressaíram-se as informações contidas no
levantamento de dados que se demonstra no quadro a seguir:
Quadro
No 02 - Dados sobre a EJA em Sergipe
Tema Sugerido
|
Dado Recolhido
|
Início do atendimento à EJA no estado
|
1969 –
Curso Madureza
|
Documentos atuais relativos à EJA
|
Projetos EJAEF 1 e 2 aprovados em 2006- CEE
|
Professores que atuam na rede junto á EJA
|
1127 na capital e 582 dos municípios
conveniados
|
Cultura Local na proposta curricular
|
Contemplada/Existente/Considerada
|
Último processo de formação docente
|
Agosto/2009
16h– “Como trabalhar o Livro didático”
|
EJAEF
em municípios sergipanos
|
Apenas General Maynard não oferece
|
Municípios sergipanos assistidos pela SEED
|
55
|
Fonte: Entrevista a Coordenador da EJA –
2009.2
b)
Fase de Intervenção Pedagógica
Nesta fase,
destacaram-se discursos dos professores, registrados no decorrer das atividades
desenvolvidas no Curso, sinalizados numa realização temporal mais próxima do
início e do final desta participação que se exemplificam no terceiro quadro:
Quadro 03 – Representações culturais
Fase Inicial
|
Fase Final
|
Expressões culturais
|
Expressões culturaisl
|
“Devemos
ter a mesma educação em sala de aula, por isso os novatos precisam se adaptar”.
|
“Aos
que chegam a uma sala deve ser dada a oportunidade de interagir com os que já
estão e vice-versa”.
|
“Às
vezes um jovem de 15 anos não sabe o que fala, por isso dirigiu-se ao idoso
assim”.
|
“O
impacto geracional na sala da EJA pode ser aplacado com o diálogo entre o
jovem e o idoso”.
|
“Digo
ao idoso que foi só uma brincadeirinha que o jovem fez ao perguntar o que ele
fazia na sala de aula com aquela idade”.
|
“Todos
fazem parte de uma cultura, cada um tem o seu valor a considerar as
diferenças entre as gerações e seus pontos de vista”.
|
“Não
há necessidade da abordagem específica à identidade cultural”.
|
“Destaco
os depoimentos de colegas vitoriosos no desafio de assumir a identidade
cultural local em projeto”.
|
“Não
é possível adaptar filhos de sem-terra na sala de aula dos que não são”.
|
“Os
desprestigiados esperam uma nova visão do nosso desempenho social”.
|
Fonte: Dados da Fase de Intervenção Pedagógica/
2010
Também se destacam
exemplos da expressão da tentativa de adesão ao paradigma intercultural, através
da perspectiva interdisciplinar, manifestados durante o desenvolvimento do Curso
a partir de iniciativas construídas coletivamente para a execução também
coletiva como:
a) elaboração de um projeto baseado na cultura
da escola com o objetivo de questionar estereótipos e preconceitos a respeito
da localidade rural envolta em estigmas como: inferioridade; falta de
perspectiva social; ausência de patrimônio cultural etc;
b) projeto sobre a
presença do idoso em espaço escolar;
c) projeto sobre portadores
de necessidades especiais a despertar uma visão positiva a respeito de sua
presença social, destacando-lhes a fortaleza interior, mesmo com os estigmas
que os acompanham socialmente.
Além destas, cita-se a análise
de conflitos sociais, iniciativas que desvelam a si perante o outro, o que se
exemplifica com a seguinte situação: numa determinada ocasião, desencadeou-se
uma reflexão a partir de expressões encontradas no texto: “Regras de
convivência”, afixado nas paredes da escola e aproveitado para discussão sobre
uma postura pedagógica flexível. Deste texto, foram analisadas as expressões:
“não se apresentar com vestes inadequadas” e “apresentar-se com postura
profissional comprometida” a partir das questões: A quem se destinam as
sentenças? Quem as apresentou para compor este quadro de regras? Por quê? Quem
identificaria todos os problemas de linguagem presentes no texto sem a ajuda de
outros?
A partir destas e outras
atividades, encaminha-se uma resposta ao questionamento em torno de que
elementos curriculares são indicadores de uma prática intercultural na EJA no
cenário local, indicando a possibilidade da presença de perspectiva pedagógica
inovadora assinalada por: a) abordagem curricular através de projetos; b)
exercício da prática interdisciplinar através da ênfase atribuída às atividades
de leitura e escrita em todos os componentes curriculares. Essas são ações que indicam
a intenção de adotar um modelo de aula mais aproximado das principais
necessidades lingüísticas (leitura e escrita) da realidade local, bem como da
preocupação com os fenômenos culturais locais que se expressam na construção
coletiva do Planejamento Estratégico para o Desenvolvimento da Competência
Intercultural (PEDECI) que se explicita em quadro a seguir:
Quadro No 04 -
Demonstrativo Sinóptico do PEDECI
Disciplina
|
Objetivo Geral
|
Português
|
Através da
leitura e da escrita, comparar diferenças socioculturais com vistas à reflexão
sobre a identidade local, destacando-lhe os pontos positivos.
|
Matemática
|
Através da
leitura e da escrita de conceitos matemáticos, formular e resolver as situações-problema matemáticas e sociais.
|
Ciências
|
Através da
leitura e da escrita, refletir sobre fenômenos da natureza e sua relação com
o homem, a ponto de contribuir com a autoestima.
|
História
|
Através da
leitura e da escrita, compreender etapas da formação histórica brasileira e
as conseqüências dessa formação para a identidade social.
|
Geografia
|
Através da
leitura e da escrita, refletir sobre a ação coletiva na modificação da
paisagem para a compreensão das relações sociais e naturais para o respeito
ao outro.
|
Educação Física
|
Através da
leitura, da escrita e do exercício corporal, contribuir para a adoção de
atitudes de respeito e solidariedade em situações lúdicas e esportivas.
|
Fonte:
Dados da Fase de Intervenção Pedagógica/ 2010
c)
Fase final
Desta fase, apresentaram-se
informações resgatadas da observação aos planejamentos didáticos e diários de
classe dos professores que participaram do Curso que se realizou a partir de 60
dias após a referida participação. Elas se demonstram neste quinto quadro a
destacar a presença do desenvolvimento da competência intercultural através de
uma expressão ou categoria nominal a indicar a presença do conhecimento,
habilidade ou atitude intercultural nos respectivos documentos:
Quadro No 05 - Competência
Intercultural em Planejamentos Didáticos e Diários de Classe
Competência Intercultural
|
Dimensões
|
Conhecimento
|
Habilidade
|
Atitude
|
Religiões
|
Resolução de conflitos
|
Respeito à diversidade
|
O
trabalho escravo
|
Convivência com questões polémicas
|
Preservação de valores culturais
|
Vida
dos afrodescendentes
|
Trabalho em grupo
|
Valorização da própria cultura
|
Tempo
social e relações sociais
|
Exercício do diálogo
|
Luta pelo diálogo
|
Dominação
nas relações sociais
|
Aprendizagem da convivencia
|
Participação social ativa
|
Literatura de cordel
|
Utilização de debates
|
Adoção de estratégias de identidade
|
Memória familiar
|
Confronto
de ideias
|
Valorização
do diálogo
|
Expressões culturais
|
Utilização de seminários
|
Prazer em compartilhar
|
Preservação do ambiente
|
Promoção de pesquisas
|
Luta
pelo diálogo e pela igualdade
|
Patrimônios
culturais
|
Elaboração de murais
|
Aprendizagem do convívio
|
Identidade pessoal e social
|
Elaboração
e execução de projetos
|
Enfrentamento
de conflitos
|
A
relação do homem com a natureza
|
Planejamento
e execução de mostras culturais
|
Participação
na promoção de desafios sociais
|
Fonte: Dados da Fase de Intervenção Pedagógica/
2010
Discussão
Confrontando as informações
recolhidas acerca da formação docente para EJA a partir da identidade
curricular com os estudos teóricos que serviram de embasamento para este
trabalho, é possível afirmar que:
São elementos
motivadores de reflexão em relação aos projetos curriculares analisados: a) o
fato de ambos possuirem a mesma redação em muitas de suas partes; b) não se
distinguirem em objetivos, finalidades, tempos; c) a quase total ausência do
contexto sociocultural a que se destinam. Identificação marcada apenas pela palavra
“Sergipe” nas capas dos respectivos textos e pela expressão “Governo de
Sergipe” no interior destes uma única vez; bem como, d) a suplência como função
atribuída à oferta escolar da EJA. Segundo Di Pierro, M. C; Ribeiro, V. M.;
Jóia, O. (2005), a função supletiva ou compensatória enclausura a escola da EJA
nas rígidas referências curriculares, metodológicas, de tempo e espaço da
escola destinada a crianças e adolescentes, interpondo obstáculos à necessária flexibilidade
da organização escolar para o atendimento à especificidade desse grupo
sociocultural.
Assim, em resposta ao
primeiro objetivo, caracterizar a identidade cultural dos projetos curriculares
da EJA, afirma-se que as informações neles coletas e transformadas em
categorias de análise acima descritas, identificam a EJA neste contexto
sociocultural analisado, como modalidade educativa ainda marcada pelo estigma
da suplência. Associado à ausência de consideração à diversidade, ao silêncio
em relação à cultura local, à ausência de atenção ao fenôneno cultural do jovem
e adulto, público-alvo a que se destina esta ação educativa, assinalam a incongruência
entre o que se apresenta nestes documentos e o que indicam os estudos mais
recentes a esse respeito (UNESCO, 1997; 2010). Estes atestam a necessidade de
afastamento da propositura e/ou exercício da ideia de compensação que se compromete
com a inclusão deste público na escola, mas não assume a promoção de sua
permanência ou êxito escolar (Haddad, 2005).
Da analogia entre o que
se registra nos projetos analisados (Quadro 1) e discursos dos gestores (Quadro
2), encontra-se a consonância da visão ideológica acerca do paradigma existente
em relação à concepção sobre o processo de formação docente. Tal fato analisado a partir de Marin (2000), Tardif
(2002) e Torres Gonzáles (2011) se apresenta anacronicamente distante da perspectiva
mais recente veiculada acerca do como deve ser admitido este processo formativo.
Por este motivo, a ação aligeirada - evento de 16h para esclarecer sobre o
livro didático como formação docente ofertada – é enxergada como inadequada e
incoerente.
Além disso, sobre ela se
destaca o fato de apenas 125 professores de um total de 1709 professores
envolvidos com esta tarefa profissional dela participarem. Fato a coadunar-se
com a grave situação do município analisado: por não ter projeto próoprio para
a EJA, conveniou-se ao sistema estadual para dele repete a mesma estrutura
curricular. Neste, a EJA funciona desde 2006 e até o ano de 2009, registrava-se
a total ausência de ação para a formação do docente da EJA. Assim, respondendo ao
segundo objetivo específico deste trabalho para “indicar os processos de
formação docente a que o professor da EJA tem acesso em nível local”, constata-se
a ausência de processo de desenvolvimento profissional para este professor, o que,
segundo estudiosos da teoria crítica, a exemplo de Moreira e Candau (2008) e
Freire (2010), caracteriza-se como prejuízo para o desenvolvimento curricular.
O Parecer CEB/CNE
11/2000 (Cury, 2000), assim como Soares (2005; 2010) já reivindicavam atentar
para a necessidade da formação do docente da EJA com vistas a indicar a relação
pedagógica com os sujeitos, trabalhadores ou não, que constituem o público-alvo
desta ação, marcados por experiências vitais que não podem ser ignoradas por
este profissional. Enquanto Freire (2010) indicou que este processo formativo deve
conceber-se como ação capaz de mobilizar o professor para a mudança, de fazê-lo
inquietar-se com o status quo. Instigá-lo à reflexão sobre o currículo oculto para motivá-lo a sentir-se
responsável pela construção de relações mais democráticas socialmente (Fleuri, 2003;
Candau e Moreira, 2008).
Ainda na comparação
entre esses dois discursos, é possível identificar a incongruência em relação à
referência à cultura local ou à cultura dos alunos. Enquanto os gestores
afirmam que esta referência existe (Quadro 2), a leitura dos projetos
curriculares (Quadro 1) indica total ausência dessa categoria em análise. A
concepção de cultura de um e de outro se desencontram. Quanto a isso já
advertia Gimeno Sacristan (1995) ao afirmar que a cultura dominante nas salas de aula corresponde à visão de determinados
grupos sociais, ou seja, dos grupos sociopoliticamente privilegiados, aqueles
que exercem a hegemonia cultural.
Nos
conteúdos escolares poucas vezes aparece a cultura popular, as formas de vida
rural ou de povos desfavorecidos, exceto de forma exótica, o que já se
caracteriza como estereótipo e forma de preconceito. Também são ausentes temas
como a fome, o desemprego, os maus tratos, o racismo e a xenofobia, assim como as
conseqüências do consumismo ou outros temas que parecem “incômodos” Gimeno
Sacristan (1995). O que, consciente e inconscientemente, produz-se um velamento
que afeta conflitos sociais cotidianos.
Mas, destaca-se semelhança
entre a concepção apresentada por ambos os discursos para a formação docente.
Tanto no texto dos projetos curriculares (Quadro 1) , quanto no exemplo citado
no discurso do Gestor (Quadro 2), encontra-se o paradigma da capacitação ou aperfeiçoamento
indicado para a formação do professor. Fato a refletir a sua distância das
concepções mais recentes indicadas para a consecução do desenvolvimento
docente, da formação de um professor reflexivo por Tardif (2002) quando afirma:
“O professor “prático reflexivo” é aquele que consegue superar a
rotinização de suas práticas e refletir sobre as suas ações cotidianas antes,
durante e depois de executá-las”. Ante esta situação, apresentou-se, como
alternativa para a promoção desta lacuna em relação à necessária formação
docente específica para EJA, o Curso “Pedagogia Intercultural com ênfase na
identidade cultural” com a finalidade de contribuir para a promoção de um novo
perfil para o respectivo exercício profissional docente.
Baseando-se nos
testemunhos apresentados nos Quadro 3 e 4, é possível indicar que esta
participação provocou mudanças significativas no espaço em que se desenvolveu a
considerar tais manifestações verbais. Arroyo
(2008) já afirmara que se atrever a incorporar na formação do docente essa
pluralidade de dimensões, só enriquece o currículo, a docência e a pedagogia.
Analisando o confronto entre as representações sociais apresentadas pelo Quadro
3, é possível afirmar que esta participação ajudou os trabalhadores da EJA a
lidar com estágios de uma visão mais etnocêntrica ou portadoras de prejuízo no
processo de interação social. Bem como os orientou a aproximar-se do outro com
quem interage socialmente a partir da perspectiva intercultural almejada para a
EJA desde a V Confintea (UNESCO, 1997).
Segundo Canen e
Moreira (2001), a
formação docente a partir do multiculturalismo crítico ou pedagogia
intercultural é uma das estratégias para o desenvolvimento de novo perfil
curricular e prática educativa nas escolas. Instrumentalizando
o professor, através da sua formação profissional, a contestar o modelo
compensatório ou de assimilação (Aguado, 2003; Candau, 2005), só assim ele será
capaz de lutar contra a ideia socialmente partilhada a respeito da EJA, a
enxergá-la como “uma nódoa social incômoda” (Galvão e Di Pierro, 2007).
Analisando
também os discursos apresentados no Quadro 4, aponta-se como cumprido o
terceiro objetivo deste trabalho, ou seja, identificar diferença significativa entre os níveis de competência
intercultural, manifestados pelo professor, antes e depois da participação no Curso:
“Pedagogia intercultural com ênfase na identidade cultural”, pela nova
consciência profissional expressa em relação ao exercício docente que se
estende do ato de planejar à execução da ação pedagógica a partir da adesão ao
paradigma interdisciplinar. Conceito
que não deve ser confundido com a hierarquia que umas disciplinas possam
exercer sobre outras. Muito pelo contrário, deve ser entendido como uma ação de
complemento e colaboração entre disciplinas que operam em determinados momentos
e espaços sobre algum objeto de estudo comum (Torres Gonzáles, 1999 apud. Gonzáles,
2011).
Antes inclui a análise, a
interpretação, a compreensão e a intervenção em situações didáticas assim como
sugere também a pedagogia intercultural que aponta a negociação entre os
envolvidos na ação, o respeito ao outro ou devido tratamento á diversidade. Como afirma o Professor Torres Gonzáles
(op. cit., 2011): A preocupação com a diversidade implica numa Educação
Especial. Assim, conclui-se que o intercultural se constitui numa interseção
com o interdisciplinar através do vínculo estabelecido entre diversas
disciplinas para o desenvolvimento da compreensão leitora da realização
cultural que envolve o educativo. Ambas as perspectivas integram-se à abordagem
de vários componentes curriculares quando uma disciplina não estabelece
compartimentos estanques em relação ao conhecimento, habilidade ou atitude
pretendido, senão que todas as disciplinas envolvidas no processo integram-se
em uma nova.
Em relação ao quarto e último
objetivo firmado para esta realização, relacionar a presença de aulas
culturalmente compatíveis na EJA à participação do professor neste processo
formativo, é relevante notar a presença de expressão indicadora de competência
intercultural registrada pelos informantes nos documentos escolares analisados
(Quadro 05), demonstrando assim a intenção de continuar atuando segundo o
aprendizado adquirido. Segundo Canen (2002), a simples referência à mudança da disposição
das cadeiras na sala de aula já pode indicar disposição para o desafio de estruturas
homogêneas, tradicionais. Bem como reconhecer a importância de colocar-se no
lugar do beneficiário da ação educativa, passando a considerar a cultura do
aluno como fator determinante para a organização curricular.
Considerações Finais
Encontram-se, até os dias atuais,
reflexos do impacto causado pela criação, realização e análise dos resultados
do Curso “Pedagogia Intercultural com ênfase na identidade cultural” a
exemplificar-se:
a) Na ação pedagógica de
seus participantes imediatos, a exemplificar-se com o planejamento/execução e
avaliação de projetos pedagógicos interdisciplinares a resgatarem o
reconhecimento da identidade cultural do espaço onde atua. Por isso, sugere-se
que este processo possa ser replicado por outros pesquisadores, em outros
contextos socioeducacionais, como instrumento de preparação para a inserção e
motivação da presença da inovação pedagógica em mais contextos escolares. Seu pioneirismo
também requisita que outros estudos se debrucem sobre o aporte por ele
produzido para que surjam novas descobertas a respeito.
b) Também se promoveu uma ampliação da visão
acerca da EJA a reconhecer-lhe como um processo para além da alfabetização, forma
como era enxergada pela maioria no contexto sociocultural em que este estudo se
desenvolveu antes de sua realização. Bem como passou a existir uma atenção
maior dedicada a esta formação docente específica, configurada pela criação e
aprovação, em nível institucional da maior Instituição de Ensino Superior do
estado, do Projeto Pró-docência para a EJA (PIBIX/UFS – 2011-2012),
transformado em Programa de Extensão Universitária, pré-aprovado pelo MEC para
a execução em 2013.
c) Reflexo também do desenvolvimento
deste estudo é a criação e aprovação, em nível institucional e nacional, do
grupo de pesquisa, “Saberes Escolares e Práticas pedagógicas para a EJA” /
Seppeja/UFS, vinculado ao CNPq cuja finalidade é atuar para a promoção da
formação docente para EJA, reconhecendo-a como processo educativo com a rara função
de qualificar ao largo da vida.
Apesar dessas fortalezas indicadas como
reflexo de sua realização, também é interessante salientar suas dificuldades e
limitações a serem observadas por outros estudos a surgirem a partir deste:
1)
Não ter conseguido uma amostra
significativa para uma investigação com o perfil explicativo a que se propôs.
Ao tomar como informante do estudo o docente em exercício, deparou-se com variantes
intervenientes como: 1) o professor possuir vários vínculos trabalhistas e não
dispor de tempo para participar de processo de formação continuada; 2) o
professor contactato já se sentir preparado para exercer as funções que lhe são
atribuídas e por isso rejeitar qualquer opção de formação continuada apresentada;
3) o professor ainda guardar lembranças desagradáveis de processos formativos
anteriores e negar a participação em outro que se lhe apresente; 4) aplicar o
método quaseexperimental com o professor que admite ter dificuldade para submeter-se
à avaliação em exercício profissional ou não admite limitada competência
profissional.
Para responder a estas dificuldades,
sugere-se insistir na realização de estudos que tomem o professor em exercício como
informante, quiça em circunstâncias semelhantes, a verificar elementos
significativos como: grau de satisfação, nível de aproveitamento em processos
de formação. Até que esta abordagem quase-experimental não lhe cause estranheza
e que o paradigma da Educação Permanente se firme a fim de que se reflita sobre
elementos como: pontualidade, assiduidade, atendimento a atividades propostas
em relação a si e se possa encontrar com maior facilidade o professor reflexivo
sobre a própria prática. Por fim, sugere-se que outros estudos se debrucem
sobre a construção inovadora da formação docente a partir da pedagogia
intercultural e seus vieses.
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